O que mais existe por aí é obra que é inaugurada e depois abandonada porque o município não tem política permanente de gestão.
Raquel Rolnik
O desenvolvimento urbano de cidades
como Capelinha, no Alto Jequitinhonha, é um desafio para os gestores. A
cidade tem 24 mil habitantes e cresce de forma acelerada, demandando
serviços variados e aperfeiçoamento de processos de gestão.
Outro dia, viajando de carro de Brasília até São Paulo, fui observando
as propagandas eleitorais das cidades por onde passei. Me chamou a
atenção o fato de que a maioria dos outdoors e cartazes, assim como os
spots de rádio e TV, referiam-se a obras inauguradas pelo candidato.
Isso tem tudo a ver com a lógica de que prefeito bom é aquele que
inaugura obras, de preferência bem visíveis. Lembrei até de um prefeito
de uma grande cidade do Centro Oeste que colocava uma plaquinha em cada
uma das obras, numerando-as. Uma praça era 387, um ponto de ônibus era
421, e assim por diante. Infelizmente, essa lógica deixa de lado um dos
maiores desafios de qualquer cidade que é a gestão e a manutenção de
seus espaços e equipamentos.
O que mais existe por aí é obra que é inaugurada e depois abandonada
porque o município não tem política permanente de gestão. A lógica
predominante, inclusive da própria estrutura de financiamento do
desenvolvimento urbano no Brasil, é a dos programas que oferecem
recursos para executar as obras, mas o investimento permanente
necessário à qualificação das cidades está longe de ser equacionado.
Como a lógica é a da visibilidade da obra e do momento sublime de sua
inauguração, o tema da gestão fica relegado… mesmo porque até as
próximas eleições, outra obra será inaugurada! Por trás desta relação
“obra-eleição” está também a lógica da crescente importância da
contribuição financeira das empreiteiras para campanhas eleitorais.
Obras novas geram novos recursos de campanha num modelo de financiamento
eleitoral, prevalente hoje no Brasil, em que os candidatos dependem
mais e mais dessas contribuições privadas para poder se eleger em
pleitos cada vez mais competitivos e midiáticos.
A questão da gestão e manutenção cotidiana dos espaços e equipamentos de
uma cidade é importantíssima. É como na nossa própria casa: se paramos
de investir, um dia a torneira quebra, no outro, o ralo entope, e assim,
rapidamente, a casa se degrada. Manutenção não é só fazer faxina, é,
também, sempre renovar.
De novo, conhecemos isso da experiência de nossas casas: reformar é
absolutamente necessário para manter a casa sempre em dia com as
necessidades de quem nela mora. Mas como a lógica eleitoral é a da
fitinha da inauguração da obra, esse assunto não aparece no debate. O
que importa é mostrar quem cortou a fita e inaugurou a obra, e quem
estava no palanque, participando daquele evento.
Além do mais, diante dos milhares de problemas que uma cidade enfrenta,
nem sempre executar uma obra é necessário ou prioritário. Muitas vezes
obras desnecessárias são realizadas apenas porque “aparecem”, ou seja,
mostram que o prefeito está “fazendo o serviço”. Essa lógica primária
cria “o prefeito que trouxe o hospital”, “o prefeito da escola”…
Quando vamos superar essa lógica e enfrentar os desafios da gestão urbana no Brasil?
Raquel Rolnik é arquiteta
urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
PUC-Campinas e coordenadora da área de urbanismo do Pólis - Instituto de
Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais.
Publicado no brasildefato.com.br/ . Texto originalmente publicado no blog da autora.
Via Blog do Banu
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