Fontes próximas ao Vaticano afirmam que exaustão declarada pelo pontífice está ligada aos confrontos internos, e não apenas à idade avançada; corrupção no Banco do Vaticano e roubo de documentos por seu ex-mordomo contribuíram para o desgaste
CIDADE DO
VATICANO - Cansado e sem energia, mas também isolado politicamente. O
papa Bento XVI de fato renunciou ao pontificado por conta de sua
fragilidade. Fontes próximas ao Vaticano, porém, afirmam que a exaustão
não tem a ver apenas com a sua saúde, mas também com a disputa de poder
que marcou seus últimos meses no trono. A renúncia teria sido uma reação
extrema ao que muitos classificam de governo paralelo, que teria se
formado à sua sombra e sob comando do cardeal Tarcisio Bertone.
Reuters
Nos últimos meses, Bento XVI abandonou os confrontos: ‘Eu sou um papa velho’, dizia
Por seus aliados, Bento XVI optou por sacrificar seu próprio cargo,
na esperança de recolocar a Igreja num caminho de maior coesão, forçando
uma nova eleição.
Fontes nas embaixadas estrangeiras junto à Santa Sé relataram ao
Estado os bastidores dos últimos meses de Bento XVI. Dizem que o papa
renunciou de livre vontade, mas consciente de que já não mandava sozinho
na Santa Sé e, com os poucos anos que lhe restavam, não conseguiria
fazer o que havia planejado diante de resistência de seus ex-aliados.
De forma indireta, a Santa Sé confirmou que a fragilidade não vinha
de sua saúde. "O papa é uma pessoa de grande realismo e conhece os
problemas e as dificuldades", disse o porta-voz do Vaticano, Federico
Lombardi. "A renúncia foi uma mensagem à Cúria, mas também a todos nós",
disse. "Foi um ato de humildade, sabedoria e responsabilidade."
Segundo Lombardi, não havia um problema específico, mas sim uma visão
"mais ampla da Igreja no mundo. "Não foi uma decisão improvisada. Foi
algo muito lúcido." A possibilidade de renúncia era cogitada por Bento
XVI desde abril de 2012, após viagem ao México e a Cuba.
O papa chegou ao trono com a promessa de que conduziria uma limpeza
na Igreja. O resultado, porém, foi o oposto e o equilíbrio de poder que
havia durante os anos de João Paulo II ruiu.
Suas decisões de punir cardeais simplesmente foram ignoradas ou
levaram anos para serem cumpridas, em um desafio claro ao poder do papa.
Foram os casos de Roger Mahony ou de Thomas Curry. Marcial Maciel,
fundador dos Legionários de Cristo, foi outro que acabou sendo protegido
por anos, apesar das denúncias. Por mais que tenha tentado, Bento XVI
jamais conseguiu implementar sua ideia "de tolerância zero" em relação à
pedofilia. "Quanta sujeira na Igreja", chegou a declarar.
Bento XVI também deu indicações de que poderia rever algumas de suas
posições, como a questão do preservativo. Cardeais mostraram-se
irritados e se apressaram em negar o debate. Esse não seria o único caso
de desobediência. Bertone tomaria medidas à sua revelia, até mesmo
punindo aliados do papa. Em uma ocasião, teria chorado.
Amigo pessoal do papa, Bertone foi a pessoa que mais recebeu poder
dentro da Igreja em 2005. Mas, em alianças com membros da Cúria, teria
criado situações em que colocava Bento XVI contra esses cardeais. Para
evitar uma disputa direta, o papa optou inicialmente por não questionar
as decisões de seu ex-aliado. Mas isso teria ido longe demais.
Um dos casos que revelou o poder de Bertone foi o do cardeal Carlo
Maria Vigano, que alertou Bento XVI sobre suspeitas de corrupção nos
contratos do Vaticano. O caso chegou até a imprensa italiana.
Imediatamente, Bertone decidiu nomear Vigano como núncio nos Estados
Unidos.
Outros fatos. Também pesaram a revelação de corrupção no Banco do
Vaticano, seguido pelo descobrimento de que próprio mordomo, pessoa que o
vestia e estava em sua intimidade, havia roubado documentos que
expunham a corrupção na Igreja.
Para diplomatas, um indício de que Bento XVI não acreditava que o
mordomo havia agido sozinho foi sua decisão de perdoá-lo, mesmo depois
que um tribunal do Vaticano o condenou.
Em agosto, Bento XVI foi à casa que o Vaticano dispõe nos arredores
de Roma para descanso. Fontes no Vaticano confirmaram que já naquele
momento ele estava isolado. Nos últimos meses, o papa abandonou o
confronto. Aos que chegavam com alguma intriga doméstica, respondia: "Eu
sou um papa velho".
Fonte: Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário