(FOTOS: Bruno Sales/Claquete Comunicação)
“Esse mundo cheio de caminhos e de escolhas nem sempre se faz ao
jeito do caminhante. A estrada se abre com sua boca de sedução, e lá vai
o viajante alegre pela promessa vinda, feliz por caminhar. Caminhar é
seguir, é cumprir tempos de vida. Na direção de uma nave, num leme de
uma jangada, na solidão de um farol, distante em qualquer lugar, caminha
o homem. Não importa que sons de horas soam em seus ouvidos, nem vale
querer segurá-las para consumi-las depois. O tempo está em todos os
cantos. Vale embriagar-se com ele.”
(Fernando Lobo, no prefácio do livro Légua de Beiço, da escritora pedrazulense Geralda de Almeida.)
(Fernando Lobo, no prefácio do livro Légua de Beiço, da escritora pedrazulense Geralda de Almeida.)
Chegamos à casa de D. Leda Mendes ainda pela manhã e a mesa do café
já estava posta. Biscoitos, quitutes, pão de queijo caseiro feito na
hora e aquele café preto servido em louça chinesa. Ela tem 87 anos de
pura sabedoria. Engraçada, esperta e moderna, a pedagoga luta pela
formação do caráter e cidadania de crianças e adolescentes do Vale do
Jequitinhonha há mais de 50 anos. E conta caso que é uma beleza:
“Meu avô era um austríaco alto e forte. Muito honesto, mas de pouco
papo com estranhos. Na época, mexia com gado, e ganhava um bom
dinheiro. Um dia, ele avistou um jagunço caído em seu portão com uma
carabina, um saco de dinheiro e uma garrafa de cachaça. Pegou o bêbado
ainda desmaiado e entrou com ele dentro de um quarto imunizador de café,
sem ar, sem luz, sem nada. E lá ficou até que o cabra-mandado
acordasse. ‘Onde é que eu tô?’, perguntou assustado. ‘Cê matô eu, eu
matô você. Nós tâmo é no inferno (sic)!’, respondeu o forte austríaco.
‘Ahh, meu santo, me tira daqui, eu não queria te matar… foi fulano de lá
de riba que mandou. Pagou em dia, tava precisado. To sem ar e cego, me
tira daqui’. O jagunço foi solto, saiu do inferno com sua garrafa de
cachaça e de dinheiro, mas sem a carabina. Nunca mais apareceu e ninguém
nunca mais quis matar meu avô”. Caso assim, de cara, quem guenta?
O casarão de 1916 é uma coisa à parte. Pé direito imenso, chão de
tábua, pinturas nas paredes e uma fértil e gentil horta: de couve,
alface, rúcula, a romã, abacate e até mesmo açafrão. As dez janelas da
enorme e antiga casa se abrem para a Praça do Santuário, um lugar calmo
com árvores que salvam aqueles que precisam de sombra em meio ao ‘calor
arretado’, como eles mesmos classificam por lá.
38 graus é normal para Pedra Azul. Pra mim não é não! Legal lá é
perceber que praticamente todas as casas que ficam na praça têm em sua
arquitetura uma decorada platibanda, uma espécie de mureta que fica na
parte mais alta da fachada, tampando os beirais da casa. Cada uma tem um
desenho próprio, e belo.
Caminhamos na praça, eu, Rafael Godoy e Kira Rodrigues, neta de D.
Leda, descendo em direção ao Mercado Municipal de Pedra Azul.
Particularmente, adoro mercados, principalmente quando eles possuem
aquilo tudo que os verdadeiros prometem: pessoas descascando legumes e
frutas em bancas, cheiro forte de temperos e especiarias, carne de sol,
manteiga de garrafa, brinquedos, acessórios e até uma loja de conserto
de bicicletas. Demais! O quilo da picanha de sol saiu a R$ 15,00, e o
quilo de filé mignon a R$ 16,00. Inacreditável. Compramos as duas peças
no Açougue do Baixinho. O engraçado é que o filho da dona do açougue foi
quem nos atendeu. Literalmente um baixinho, simpático e gordinho.
“Moço, essa linguiça eu te dou de presente. É uma delícia. Leva, faz,
come e me conta depois”. Se ele já tinha me conquistado, depois do
presente virei fã. O menino é arretado de bão!
De lá, pegamos a rua Netércio Almeida, a rua do Fórum, e paramos para
uma deliciosa garapa no Gatão. R$ 1,00 cada. E o dono serve com
maestria. “Primeiro, só metade do copo com o caldo de cana, já gelado.
Em seguida, o limão capeta. Depois, completa o copo com o resto da
garapa. Senão, você toma todo o limão já no primeiro gole”, ensina
Gilvan que se apresenta assim: “Gilvan, vulgo Gatão!”. Tem pra todo
mundo…
Numa roda de cerveja, batemos bons papos com artistas de Pedra Azul.
Entre eles, Toninho Muquiça, uma espécie de Tim Maia do Vale do
Jequitinhonha. Com voz rouca, chapéu torto e um belo bigode, a primeiro
momento ele intimida. Mas depois você acaba conhecendo quão doce o ogro
é. “Num tem errada não!”, ele respondeu, quando perguntei se preferia
Brahma ou Skol. “Tendo, tá bão!”. Cancioneiro, seresteiro, o compositor
domina também músicas de arrastar o pé e levantar poeira. Amigo pessoal
de Paulinho Pedra Azul e Saulo Laranjeira (duas famosas pratas da casa),
tem história que não acaba mais.
Na rua Salinas encontramos a Churrascaria do Gaúcho. O lugar é bem
simples, daqueles com luz branca, mas não foi à toa que paramos lá. O
dono é um homem sisudo, de pouca prosa, voz engraçada, mas muito
simpático. Com sotaque do sul e de nome Tairone, o gaúcho aos poucos vai
mostrando as cartas. “Eu cozinho de tudo. Macarrão caseiro, lasanha,
churrasco de qualquer tipo, coelho, carneiro e até um boi inteiro assado
na brasa, se tu quiser”. Ele vem conquistando os pedrazulenses e
turistas que aparecem por lá. Também, comida boa, diversa e barata, quem
não quer?
Outro ponto legal é a Pizzaria de Julimar. ‘De Julimar’ funciona
demais, assim como ‘de vó’, ‘de painho e mainha’. Elimina-se a vogal e
tá tudo certo, tudo lindo. Julimar é um prosa boa que acaba sentando
contigo em sua mesa para tomar cerveja. Pizzaria, mas o carro-chefe do
local é um filé mignon que vem num receptáculo que mais parece uma
bacia, de tão grande. Acompanhado de queijo canastra, fritas, tomate e
azeitonas, serve muito bem quatro pessoas a uma bagatela de R$ 35,00. E
no final, Julimar ainda dividiu a conta com a gente. Sentou, bebeu,
sorriu, pagou. Beleza!
No último dia de nossa passagem por Pedra Azul, uma cavalgada passou
pela gente: mais de cem pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Tradição local, alegria na cidade.
Tradição local, alegria na cidade.
As pedras de lá mexeram comigo. Sei lá, elas acolhem, inspiram e não
respondem às nossas perguntas. Se mexeram comigo, imagina com quem vive
lá. Muita cultura, muito causo, muita invenção de moda e coragem.
Ah, o prefácio no início do texto foi pinçado na Biblioteca de D. Leda. E logo de uma obra local.
É ou não é a nossa cara???
COMO A NOSSA MAJESTOSA PEDRA AZUL, TEM HISTÓRIAS BELÍSSIMAS E NOS FAZEM VIAJAR PELO TEMPO.
ResponderExcluirAMO E COMO AMO ESSA QUERIDA CIDADE MÃE!
E quantas e quantas histórias maguinificas tem esta deslubrante cidade?
ResponderExcluirCreio que daria inúmeros livros, que jamais cansaria de ler-los.